Crimes contra a humanidade: Houve genocídio étnico-religioso em Angola e os mandantes estão identificados

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William Tonet, no Huambo, para a Folha 8 Digital

O massacre protagonizado pelas forças militares e policiais, no dia 16 de Abril, no Monte Sumi, no Huambo, terá nesta entrevista a visão de um membro de uma ONG de Direitos Humanos, que mais tem trabalhado para apurar dados e localizar os sobreviventes, Ângelo Kapwatcha vai trazer uma imagem muito próxima deste fenómeno, Kalupeteka, pois ele está no terreno e tem sentido os gemeres e clamor das vítimas.

FOLHA 8 – O que se passou de concre­to, no Monte Sumi?

Ângelo Kapwatcha – No dia 16 de Abril de 2015, pelas 14 horas, a Polícia Nacional coligada com as Forças Armadas foi atacar o Acampamento da Igreja Adventista do 7º Dia-Luz do Mundo fundada em 2002 pelo Pastor José Juli­no Kalupeteka, dissidente da Igreja Adventista do 7º Dia. O ataque fora or­denada pelo governador provincial do Huambo, o General Kundi Payhama segundo as suas próprias afirmações prestada aos deputados da Coligação CASA-CE aos 28 de Abril de 2015 segundo as quais: “eu ordenei a tropa para cercar a montanha e agir”.

Este ataque que resultou na morte massiva de milhares de fiéis da Igreja Adventis­ta do 7º DiaLuz do Mundo fora igualmente endossada (autorizada) pelo próprio Presidente da República que através do seu discur­so do dia 20 de Abril de 2015, o Presidente dizia:

“A seita religiosa denominada ‘A luz do Mundo’ formu­lou a sua própria doutrina com base no fanatismo religioso, no ódio em vez do amor ao próximo, na di­visão e na mentira, com o propósito de não respeitar a autoridade do Estado e de promover a anarquia. Essa doutrina fomenta a desin­tegração da sociedade e a separação das famílias, es­timula o pecado e é contra os valores, os princípios morais e cívicos e os usos e costumes do povo ango­lano Dizem também que as famílias devem vender os seus bens, em particular as suas casas, abandonar as aldeias e vilas e viver nas montanhas e florestas… a acção dos órgãos de De­fesa, Segurança e Ordem Interna vai continuar com o mesmo vigor para des­mantelar completamente essa seita…” com este dis­curso que nada contém de conciliação e pacificação, o Presidente autorizou a di­zimar os fieis porque disse claramente em seu discur­so que “a acção dos órgãos de Defesa, Segurança e Or­dem Interna vai continuar com o mesmo vigor para desmantelar completa­mente essa seita…!”

Assim, a montanha do Sumi, entra na História de Angola pós-independên­cia como o único lugar onde, pela primeira vez, o Governo massacrou massivamente um novo tipo de inimigo: o Povo de Deus. Nunca, na história de Angola, na era colonial (500 anos de colonização) houve confronto entre o Estado e algum grupo étnico-religioso com consequência de milhares de mortos, sem funerais pú­blicos e saque de seus bens e perseguições de sobrevi­ventes. Por isso, a História do Sumi considera-se, um genocídio étnico-religioso sem precedente.

F8 – Por que diz tratar-se de genocídio?

AK – Dissemos que se tra­ta de genocídio étnico-re­ligioso porque dos dados apurados até ao momento revela que 95 a 100% dos crentes massacrados são de etnia Ovimbundu resi­dentes em Luanda, Kwan­za-Sul, Benguela, Huambo, Bié, Huila, Kuando-Kuban­go a julgar pelos apelidos o que caracteriza este ge­nocídio como guerra tri­bal contra os Ovimbundu. Também a Igreja liderada pelo pastor José Julino Ka­lupeteka fora rotulada pelo Governo através da propaganda da TPA e RNA ser uma Igreja Tribal por proferir sermões em Lín­gua Nacional Umbundu, língua mais falada em An­gola a seguir a Língua Por­tuguesa, por isso, reforça a tese de este massacre ter carácter de Genocídio tri­bal contra os Ovimbundu identificados numa Igreja o que se qualifica como genocídio étnico-religiosa e ao ser ligado ao partido UNITA acaba por ter o pendor étnico, religioso e politico partidário. Assim, então fica claro a premedi­tação de destruir um grupo étnico religioso por ser co­notado com um partido da oposição.

F8 – Porquê essa convic­ção?

AK – Porque as mortes in­discriminadas, as buscas e execuções extrajudiciais subsequentes, a denegação de atendimento médico e medicamentoso dos feri­dos, a denegação de funerais culturalmente dignos aos mortos civis, a denega­ção de acesso ao local para os activistas de direitos hu­manos e jornalistas inde­pendentes e entidades in­ternacionais violam todos os preceitos legais internos e internacionais, o que re­tira do Estado Angolano a valorização do primado da lei, dando lugar ao primado da força, destruindo os ali­cerces do Estado de Direi­to e Democrático.

F8 – Quais as razões de se atacar, a integridade mo­ral da congregação reli­giosa de Kalupeteka?

AK – Logicamente não há nenhuma razão. Mas o Go­verno de Angola encontra razão para tudo. Onde não há problema ele (Gover­no) arranja problemas e injecta lá e depois encontra fórmula de evidenciar tais problemas e imputar, por meio da manipulação culpa aos inocentes para fazer valer o seu ponto de vista.

A igreja do Pastor Kalupeteka, à semelhança de outras tantas igrejas, ela era dotada de sua identi­dade doutrinária, tem suas práticas, suas ideias e suas crenças como idiossincrasia normal de instituições religiosas, por isso em ne­nhum momento poderiam ser atacados e mortos de forma inaceitável como foram massacrados os seus crentes. Por outro lado o Estado Angolano ao atacar de forma inaceitável a po­pulação civil de uma Igreja viola o artigo 18.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU que citamos:

§1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamen­to, de consciência e de religião. Esses direito im­plicará a liberdade de Ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, indivi­dual ou coletivamente, tan­to pública como privada­mente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.

§2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercivas que possam restrin­gir sua liberdade de Ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.

§3. A liberdade de mani­festar a própria religião ou crença estará sujeita a pe­nas às limitações previstas em lei e que se façam ne­cessárias para proteger a segurança, a ordem, a saú­de ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

§4. Os Estados-partes no presente Pacto compro­metem-se a respeitar a li­berdade dos pais – e, quan­do for o caso, dos tutores legais – de assegurar aos filhos a educação religiosa e moral que esteja de acor­do com suas próprias con­vicções.

Este Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polí­ticos fora ractificado por Angola em Abril de 1992 tempo a partir do qual, este instrumento jurídico inter­nacional entra no ordenamento jurídico angolano como parte normativa in­terna e a sua violação tem equivalência a violação tipificada como genocídio de qualquer lei angolana. Assim o próprio Executivo e o seu Titular, cumulati­vamente, ferem os bens jurídicos protegidos pelas instituições supraestaduais como a ONU. O Governo ao atacar a Igreja Adventis­ta do 7º Dia Luz do Mundo viola gravemente a Cons­tituição de Angola, sobre­tudo o seu artigo 41º que citamos:

(Liberdade de consciência, de religião e de culto)

1. A liberdade de consciên­cia, de crença religiosa e de culto é inviolável.

2. Ninguém pode ser priva­do dos seus direitos, perse­guido ou isento de obriga­ções por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

3. É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.

4. Ninguém pode ser ques­tionado por qualquer au­toridade acerca das suas convicções ou práticas re­ligiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificá­veis.

F8 – Era uma congrega­çãoo com aceitaçãoo só na classe baixa?

AK – Do ponto de vista de mobilização a Igreja Ad­ventista do 7º Dia – Luz do Mundo não pregava para classes sociais específicas. Evidentemente que pregar para as classes médias e as classes altas tem maior exigência em termos de persuasão. Existiam muitas pessoas letradas a nível da Igreja do Pastor kalupeteka. A sua linha doutrinária era admirada por outros pas­tores intelectuais e conhe­ço sociólogos que se de­dicaram a estudar a linha de valores daquela Igreja como uma micro-refor­ma teológico-doutrinária que estava a marcar uma ruptura entre a doutrina deísta baseada no Antigo Testamento sobretudo no Pentateuco com enfase nos 10 Mandamentos, que é a base fundamental da Igre­ja Adventista do 7º Dia.

O pastor kalupteca introdu­ziu inovações teológico­-doutrinárias que merecem atenção de teólogos e so­ciologos por isso podemos encontrar profundidade na sua pregação e não era ne­nhuma pregação enganosa e de baixo teor qualitativo. Do ponto de vista metodo­logico, o pastor José Julino Kalupeteka, se inspirava no método peripatético (peripato) usado por Jesus Cristo, pregando para as pessoas ao ar livre e ser seguido aonde vai. Mesmo estarem desapegados dos bens materiais como casas, riquezas era a própria dou­trina de Jesus Cristo pregar.

A classe baixa, no geral tem mais fé em Deus do que as classes altas. Todos sabe­mos que os grandes ricos e as classes média e altas têm muito pouca fé. É raro encontrar nas igrejas, os professores universitários, os cientistas, os grandes políticos serem altamente dedicados a Deus, mas os pobres, os menos escola­rizados, as zonas rurais, usam parte de seu tempo dedicado ao Divino.

F8 – Havia escolas nas sanzalas onde saíram os seus seguidores?

AK – Começaria por dizer que, o Acampamento da Igreja Adventista do 7º Dia­-Luz do Mundo, se instalou na Montanha do Sumy em 2007. Portanto desde que se instalou lá, já passam muitos anos. O Governo não construiu nenhuma escola no monte Sumy que tenha sido abandonada pe­las crianças dos crentes. O Governo não construiu nenhuma infraestrutura sanitária no Monte Sumy nem água nem luz electrica mas o Governo sabia que lá viviam mais de 5 000 cren­tes numa migração sazonal quase permanente.

Nos últimos meses, a geo­grafia de origem da Igreja Adventista do 7º Dia – Luz do Mundo era variada. Os seguidores do Pastor José Julino Kalupeteka vinham de Luanda principalmente Cacuaco, Viana, Estalagem, Quicolo, Funda, Quilunda, Caope, Benfica, Morro­-Bento e São-Pedro da Barra. De Benguela vinham principalmente do Lobito, Balombo, Ganda, Cubal, Caimbambo. Vinham mui­tos do Bié sobretudo Chin­guar, Cunhinga, Cuito e do Cuando-Cubango sobretu­do Chitembo, Menongue, Cuchi. No Huambo eram maioritariamente da Ci­dade do Huambo, Caala, Ekunha, Bailundo, Lon­duimbali etc. da Huila vi­nham de Matala, Caconda, Kalukembe, Chipindo, Ku­vango etc. do Kwanza-Sul vinham dos Seles, Kasson­gue, Quibala, Waku-Kun­go, Sumbe. Podemos de­terminar que em todas as localidades de onde os se­guidores vinham, pode se imaginar que teria havido falência do Estado, quanto a eficácia das escolas, pois muitas crianças, mesmo, na zona do palácio presi­dencial não conseguem estudar.

F8 – Como assim?

AK – Vou só dar-lhe um exemplo. Na zona do palá­cio, em Luanda, uma escola histórica, o Executivo man­dou destruir, para lá erguer um grande prédio do Ban­co BESA, que arruinou a economia angolana, por­tanto um banco conotado com a corrupção.

F8 – O que faz um popular sair da sua sanzala para abraçar uma causa reli­giosa no mato?

AK – Primeiro digo que, a ideia de que a montanha do Sumy é mato profun­do, é uma criação pro­pagandística do Governo preconceituoso depois de massacrar os crentes da Igreja Adventista do 7º Dia-Luz do Mundo. Para o beneficio dos que não conhecem o Huambo, a montanha do Sumy fica a 30 minutos da cidade do Huambo. Se encontra no foral do municipio da Caála nas coordenadas geográficas e cartográficas de latitude 12º51’9 Sul e de Longitude 15º33’38 Este. Estando no aeroporto do Huambo, a montanha do Sumy aparece na posição sudoeste numa distância de sensivelmente 30 quiló­metro do centro da cidade por via Ngongowinga. É uma montanha cercada de dezenas de aldeias com destaque para a aldeia do quilómetro 25, justamente, por distar à 25 quilometros a contar da sede municipal da Caála numa linha recta na estrada que liga Huam­bo à Huíla por via Caconda e Caluquembe. Por exem­plo a barragem do Ngove fica muito mais distante da cidade do Huambo (93 km) ao passo que a montanha do Sumy fica a 32 Kilome­tro passando do Huambo directamente para o Sumy sem escalar Caála. Porém por via da Caála o Sumy fica há 48 kilometro. E pelo facto de a estrada estar bem reparada, faz-se de carro 20 há 25 minutos essa distância é mais ou menos do 1º de Maio em Luanda, até Viana (Vila). Será que uma distância da Sagra­da Familia em Luanda até Cacuaco cria um mito de selvajaria? Claro que só na base de propaganda políti­ca própria do Governo an­golano do MPLA!

F8 – Explique-se melhor…

AK – As pessoas que têm um compromisso com Deus, possuem uma fé inabalável. E encontram o lar onde encontram Deus. O desapego, a pastoral da pobreza voluntária, o sa­crificio em busca da “vida eterna” supera os bens passageiros. As popula­ções que abraçaram a fé da Igreja Adventista do 7º Dia –Luz do Mundo incar­naram a Palavra, percebe­ram a Mensagem e aban­donaram tudo para seguir Jesus Cristo. Visto de fora pode parecer “absurdo” e incompreensivel, aos olhos dos descrentes, por isso é encarado como um fanatismo insensato. Mas é a lógica da fé e não pode ser entendido numa pers­pectiva humana e material desgarrada das virtudes es­catológicas.

F8 – Podemos falar de falência do Estado? Ou as pessoas deixaram de acreditar nele?

AK – O adágio diz que “não há fumo sem fogo”. To­dos os acontecimentos do mundo não surgiram como fruto do acaso, ou predis­posição dos loucos. A hu­manidade, por mais que sejamos indiferentes a isto, está constituída por várias classes, extratos e rela­ções desiguais e interde­pendentes. Essas relações se constroem mediante expectativas das classes dependentes em relação à boa-fé, honestidade e jus­tiça das classes decisoras. Se essas expectativas fo­rem defraudadas, surgem tensões entre os grupos de vários níveis. A relação entre as classes governan­tes e as populações têm características de relações ‘supersticiosas’, onde os di­rigentes, os governantes e os detentores de poder são as referências sociais para a segurança dos agregados humanos mais vulneráveis. Essas referências sobre­vivem à virtude, à crença na perfeição e na infalibi­lidade humana dos chefes, bastando a boa-fé, vontade e motivação.

O surgimento de muitas religiões em Angola pode ser enquadrada numa cor­relação causa-efeito em re­lação ao fenómeno de má e mal governação do Estado sustentado pelo MPLA. Antropológica e sociolo­gicamente o Homem e mulher tendem a buscar soluções no universo ima­ginário e transcendente de forma desesperada como resposta a degenerescên­cia e crise de representa­tividade político-temporal.

Para além da corrupção en­démica, da sufocação das liberdades fundamentais dos cidadãos, o Governo angolano tem na ineficácia e ineficiência governativa como sua marca, assim os cidadãos dentro da sua liberdade natural buscam o Divino e as alternativas temporais como escapa­tória, como ruptura com o Estado irresponsável. Por esta razão de um tem­po a esta parte o Governo Angolano perdeu quase totalmente a credibilida­de e a autoridade. Assim, os cidadãos começam a inventar as formas de au­togovernar-se e por perder credibilidade e autoridade o Governo recorre à for­ça, a repressão, a coerção como forma desespera­da de recuperar o crédito perdido.

Como é óbvio, no meio de turbulência social surgem líderes carismáti­cos que tentam conduzir o povo para fora da opres­são. Num Governo falido como o “nosso” os caris­máticos pastores conse­guem encontrar “ovelhas” que buscam novas e ver­dejantes pastagens, os po­líticos visionários podem colher também adeptos a seus programas futuristas e visivelmente alternativas felizes.

O Estado angolano clama por uma reforma geral e todos nós somos convi­dados a contribuir com o nosso máximo potencial mesmo que nós, cegos pela soberba, nos matem como animais, ainda assim é o nosso dever morrendo tentando salvar o Estado­-Nação e o Solo— Pátrio. O Nosso Governo que sustenta o Estado está num nível de deterioração de relações com o povo, numa depuração moral e sem mais sentido humanís­tico de relações societais a isto a Ciência Política cha­ma Estado da Natureza ou Estado Selvagem porque a Ciência Política ensina que na selva só a força oferece poder e autoridade ao Leão.

O Governo que com sua força leonina esmaga todos os pequenos como o Leão que devora as pequenas lebres na floresta, perdeu moral, perdeu noção da lei personalista perdeu a força da razão e deu aval a razão da força. O nosso Governo habituou-nos a governar com armas de fogo e nunca com as leis, com o cérebro e a alma racional. O povo igualmente vive apenas com a sua alma vegetativa no lugar de alma racional. Assim, chega-se num Es­tado onde todos cumprem as suas funções vegetativo­-biológicas no lugar de serem gregários entes da história. É o Governo que nos arrasta para essa dete­rioração moral e social.

F8 – Kalupeteka tinha ca­risma?

[NOTA DO EDITOR: NESTE PONTO, AO FALAR DO CONTRASTE ENTRE AS CRENÇAS DA IGREJA ADVENTISTA E AS DOS SEGUIDORES DE KALUPETEKA, O ENTREVISTADO, DECLARADAMENTE CATÓLICO PARECE INVERTER ALGUMAS DAS POSIÇÕES DESSES GRUPOS, POIS SABEMOS QUE SÃO OS LEIGOS “DISSIDENTES”QUE NÃO COMEMORAM AS FESTAS CATÓLICAS E DESCRÊEM DA DOUTRINA DA TRINDADE.]

AK – Antes de analisarmos o carisma da figura e pes­soa do José Julino Kalupe­teka, de quem eu nunca tive aproximação pessoal, porque fui educado como Católico e nós os Católicos não temos muitas afinida­des religiosas com os Ad­ventistas do 7º Dia. Aliás, temos pontos de vistas teologico—doutrinários opostos; e vou evidenciar aqui a linha teológico-dou­trinária da Igreja Adven­tista do 7º Dia. Me explico: do ponto de vista teológico-doutrinária, a Igreja Adventista do 7º Dia, é Adventista de “Advento” porque acreditam que o Messias, Redentor da Humanidade que os pro­fetas, quer maiores quer menores anunciaram ao longo do Antigo Testa­mento, ainda não veio e está para chegar em bre­ve.

Portanto esta Igreja se enquadra nas outras igre­jas Deístas, isto é, aquelas que acreditam na exis­tência de Deus, mas não aceitam em Jesus Cristo como Salvador da Humanidade, por isso não celebram nem o Natal de Nascimento de Jesus Cristo nem outras festas Cristãs, nem celebram a Páscoa de Ressurreição. Fundamentam a sua doutrina no Decálogo, ou seja nos 10 Mandamentos da Lei de Deus, e a base de sua doutrina é o Antigo Testa­mento; o 7º Dia fá-lo em memória do dia em que de acordo com o 1º Livro da Bíblia Sagrada, o Gene­sis, Deus criou o Mundo em 6 dias, porém no 7º dia Descansou.

Os 10 Man­damentos recomendam guardar rigorosamente o 7º Dia como Único Dia de Adoração em oposição ra­dical às Igrejas Cristãs que acredita na Existência de Deus e acreditam em Je­sus Cristo como Salvador, adoram aos domingos do Latim “Domini Dei” Dia do Senhor (1º dia da semana em que Jesus Cristo res­suscitou dentre os mortos) por isso, são Cristãos e seu “regime” teológico é o Cristianismo cujo caminho escatológico passa por Je­sus Cristo “…Ninguém vai ao Pai senão por mim…” e interpretam de forma holística a missão Salvífica da Humanidade através do sofrimento e morte de Jesus Cristo na cruz tendo ressuscitado no 3º dia se­gundo as escrituras.

Daqui podemos ver onde enquadrar o pastor José Kalupeteka: o senhor José Julino Kalupeteka conquis­tou a devoção pessoal dos súbditos à causa de uma fé inabalável e pela confiança na sua pessoa, na medida em que se singulariza por qualidades prodigiosas, pelo heroísmo ou por ou­tras qualidades exempla­res que fez dele um chefe fundador daquela Igreja depois de ser humilhado na Igreja Adventista do 7º Dia, da qual fora expulso como herege.

A emergência retumbante do José Julino Kalupeteka, homem que não frequen­tou a universidade nem ensino médio nem bási­co, não viajara para países ilustres, podemos aceitar no seu poder carismáti­co, que o Profeta exerce sobre milhares de seus seguidores, no seu maior carisma influenciou os comportamentos das pes­soas induzindo obediên­cia, seguimento e entrega até a Montanha do Sumy abandonando por exemplo Luanda, Benguela, Huam­bo os famosos centros “metropolitanos” como se auto arrogam.

Abandona­ram o luxo das “novelas da TV Record e da Globo bem como a luxuria e li­bertinagem urbana e se recolheram no silêncio das árvores para ouvirem a voz de Deus que os chamam segundo apelara o Profeta aos seus sequazes. A his­tória conheceu líderes que pela sua capacidade pes­soal de mobilizar estimula­ram paixões, consentindo os maiores dos sacrifícios e dificuldades que uma pessoa era capaz de suportar.

O inenarrável Pastor José Julino Kalupeteka, semi­-analfabeto, comunicador nato, mobilizador apaixo­nado, maravilhoso cantor gospel, funda a sua Igreja Adventista do 7º Dia-Luz do Mundo, como respos­ta ao afastamento da sua Igreja-Mãe, a Adventista do 7º Dia. Para conseguir captar igualmente as pai­xões dos seguidores, in­troduz uma suave reforma da essência da Igreja Ad­ventista Clássica, para ser transformada em Igreja Cristã, reconhecendo Jesus Cristo como Salvador que já remira a humanidade de seus pecados, aguardando apenas a sua Segunda Vin­da Gloriosa sob as nuvens. E que a Igreja do Pastor Kalupeteka introduz uma implícita reconciliação teológico-doutrinária entre todas as Igrejas cristãs de radicalmente Deísta pas­sando para adoração a San­tíssima Trindade típica do Cristianismo. O que veio a ameaçar seriamente a identidade radical de todos os adventistas clássicos do mundo, por isso considera­-se LUZ DO MUNDO ou seja iluminar todos os Ad­ventistas do 7º Dia espa­lhados pelo mundo afora, a reconhecer Cristo como Salvador da Humanida­de. Aí foi considerado he­rege, blasfema e a Igreja Mãe lança uma destrutiva campanha de diabolização do filho e sua inovação.

Essa diabolização se caracterizou pela difamação, calúnia, injúria, estigmati­zação, rotulagem de todos os vícios e desprezando o seu culto religioso apenas como um ritual de supers­tição e feiticismo sem va­lor teológico. Assim, a pri­meira machadada contra a Igreja Adventista do 7º Dia­-Luz do Mundo é lançada pela sua Mãe (Adventista do 7º Dia) que a vende ao Governo pelo lado malévo­lo até a Guerra do Sumi.

F8 – O que sabe sobre a forma como ele foi detido?

AK – José Kalupeteka fora detido pelas Forças Arma­das Angolanas e entregue à polícia de Investigação Criminal. Da informação que tenho, José Kalupeteka foi apanhado na madruga­da do dia 17, pelas 3 horas juntamente com um dos seus filhos. Espancado, torturado mas não foi morto, o que provocou desenten­dimento entre as FAA que o capturaram e a Polícia Anti-Terror que o deseja­ram ardemente para o ma­tar.

Ainda uma fonte das FAA confidenciou-me que a polícia flagelou com tiros as FAA para recuperar Kalupeteka porque tinha or­dens superiores de o matar tão logo fosse encontrado e que as FAA pelo con­trário tinham ordens de o prender e apresenta-lo às autoridades o que foi seguido. Quando denunciá­mos sobre a tortura a que Kalupeteka fora submetido e que não sobreviveria, o Governo administrou cui­dados de saúde indescrití­veis para vivificar Kalupe­teka e por esta via fazer da saúde do Pastor o trunfo da propaganda de benignida­de do Governo enquanto silenciosamente continua­va o mesmo Governo a perseguir e matar os se­guidores.

Da conversa que tive com 4 dos seus filhos dentre os quais 3 maiores de idade e uma adolescen­te, nenhum dos filhos teve acesso à Comarca para vi­sitar o Pai como também nenhum dos seus parentes tem acesso a ele. Existem ou­tros dois senhores que no interesse de sua protecção não irei citar o grau de pa­rentesco, esses apanharam tiros da polícia, estão feri­dos e escondidos algures fazendo tratamento clan­destino e aguardam pelo julgamento a que Kalupe­teka será sujeito e quando conhecerem o veredicto final, irão revelar “coisas” a julgar pela forma que vier a ser fechado o dossier dos detidos na sequência do massacre do Sumy. Es­ses senhores chaves, com que temos tido contactos enquanto defensores de direitos humanos, pedire­mos asilo a alguns países e encontraremos formas de os encaminhar às insti­tuições que os ajudem a sair do País porque serão mortos se forem encontra­dos pela Polícia conforme está a ser feito com muitos outros refugiados encon­trados.

F8 – Na sua opinião o que se passou para a morte dos 9 polícias?

AK – Os agentes da Policia mortos a golpes de cata­nas foram-no pela fúria da população quando a polícia abriu fogo contra o povo. A polícia dispa­rou indiscriminadamente contra a população civil maioritariameente crian­ças, mulheres, idosos, de­ficientes, doentes que pro­curavam saúde pela ajuda divina. A polícia quando estava a disparar contra a população nem sequer ti­nham ideia clara que os 9 agentes (oficiais) tinham sido mortos. Apenas dis­pararam com a ideia de que os chefes foram fei­tos reféns pelos crentes e a guerra seria de resgatar os chefes. Começou às 14 horas e cessou mais ou menos às 20 horas, quando começaram a encontrar os corpos dos agentes da polícia caídos separadamente, misturados com milhares de corpos dos crentes.

Sobre a morte dos agentes da polícia existem outras versões que apontam para “a teoria da conspiração” sobre um erro táctico in­duzido, sacrificando os agentes para que o álibi justificasse a dizimação dos crentes da igreja. Se atendermos a esta linha de pensamento, podemos acreditar que sim, uma vez que todos os que têm rudi­mentos minimos de conhecimento sobre buscas e re­vistas, nunca os agentes da polícia bem treinados, tentariam algemar um líder do tamanho do Kalupeteka no meio de mais de 5000 crentes à espera que ficas­sem em silêncio impávidos e serenos a ver o seu líder a ser arrastado, vergastado e atirado no carro-celular dos anti—motins. O erro táctico era premeditado para sacrificar os agen­tes secundários da polícia e por esta via justificar o massacre que veio a pôr fim à Igreja indesejada pelo Go­verno.

Não existe nenhu­ma estratégia militar, tática militar e operação militar que tolere a imprudência que houve e que acabou vitimando os 9 agentes. Só tem que se explicar por via de erro metódico previa­mente bem desenhado. E não teremos muitas dúvi­das se viermos a confirmar que nenhum fiel da Igreja empunhou alguma “moca” ou catana ou enxada con­tra os agentes e que um ou outro grupo infiltrado que se fez passar por fieis da Igreja poderem ter pro­tagonizado a acção. Mas o tempo irá confirmar ou negar essa “especulação” baseada nas fontes militares que se identificaram com essa missão, deveras tenebrosa no interesse da “Segurança de Estado”.

F8 – Como foi a reacção do governo?

AK – A primeira reação do Governo foi o próprio governador provincial do Huambo, Kundi Payhama que quando a guerra come­çou no Sumy ele já havia deixado tudo preparado e disse que estava fora do Huambo a viajar. Recebeu o telefonema de que havia sinais de agressão na Mon­tanha do Sumy e ele pes­soalmente deu ordem para cercar a montanha e ata­car. Quando o Presidente da República ficou actuali­zado do cenário, reforçou o massscre, ordenando no seu discurso de que “ deve­-se desmantelar totalmente a igreja e seus crentes”.

O povo morto no Sumy fora abandonado pelo Estado, apenas ficou com Deus e tanto o Governo Provincial do Huambo como o Governo Central se con­centraram na vingança dos seus agentes mortos no local e construíram sinergias entre a Polícia Nacional e as Forças Ar­madas Angolanas e mas­sacraram o povo da forma mais triste em tempo de paz. Essa foi a reacção do Governo na parte operati­va. Na parte tática, houve instruções emanadas do Comando Geral da Polícia, na voz do 2º comandante geral Paulo de Almeida, de modificar totalmente os modos de operação e que doravante a Polícia terá no uso excessivo da forma a sua maior missão.

Daquele momento para cá a polícia no Huambo se tornou tão feroz que armados de dia e de noite semeiam um cli­ma de terror. Os agentes reguladores de trânsito, a polícia da ordem pública são sempre guarnecidos pela Polícia anti-terror, no meio da cidade, dia e noi­te e nas zonas rurais. Nos controlos existem sempre polícia anti-terror armada. Significa que a polícia dei­xou de ser paramilitar e passou mesmo a militares altamente armados contra uma população civil.

Sabe­mos que a propaganda do Governo de que no Sumy havia armas, trincheiras, bunkers não corresponde à verdade. É tudo mentira porque a tropa que esteve na acção de massacre não encontrou nenhuma arma pelo contrário a mesma tropa para matar os fiéis usou armas pesadas como PKM, por exemplo, e ca­tanas com que cortejaram os feridos encontrados e posterioremente foram queimados conforme as imagens e vídeos que te­mos recebido.

F8 – Acha que a Polícia e FAA usaram força desco­munal?

AK – Nos vídeos que temos vindo a citar aparecem po­lícias todos armados com AKM, PKM, correntes de munições, cartucheiras de granadas F-1. As FAA usa­ram o RPG-7, ZU, Morteiro 82 mm, morteiro 60mm, os helicópteros sobrevoaram a montanha tudo está sustentado pelas imagens que temos e os vídeos feitos pelos próprios militares e alguns fiéis das aldeias pe­riféricas corajosos como, por exemplo, São Pedro, Sumy, Kaluvyavili, etc.

Al­gumas pessoas depois de mortas foram queimadas com fogo por cima. Algu­mas pessoas encontradas nas cubatas feridas foram cortejados com catanas pelas FAA e Polícia Na­cional, os vídeos confirmam tudo isto. A Polícia e as FAA enfrentaram um povo que possuía catanas e en­xadas contra armamento pesadíssimo. Foram duas companhias da Polícia de Intervenção Rápida, duas unidades técnicas anti-distúrbio e uma antí-terror que mais tarde juntou-se a Brigada Motorizada. Pelo lado das FAA foram, pri­meiramente, dois camiões militares russos Kamazes com Comandos e mais tar­de outros 3 (Kamazes) jun­taram-se a mesma causa de esmagar a população civil.

As próprias autoridades pelo menos o Comandan­te Laborinho, secretário de Estado para o Interior afirmou categoricamente que o arsenal bélico que os fiéis da Igreja Adventista Luz do Mundo tinham se resumia em 3 armas; (um dos orientadores táticos do massacre), perguntado pelo jornalista ipsi verbis:

Jornalista -“Sr Laborinho, houve muito armamento por parte dos fieis da Igreja que massacrou os 9 oficiais da polícia e travou fogo du­rante mais de 3 horas?

Laborinho – “Sim, sim, hou­ve muito armamento sofis­ticado que permitiu a baixa da nossa parte!”

– Jornalista – Tem mais ou menos o número exacto de quantas armas em posse da população ligada àquela igreja?

Laborinho – “Houve 3 ar­mas AK-M… Mas temos certeza que iremos desco­brir mais armas”, sic.

F8 – Então o quadro é di­ferente?

AK – No interesse da ver­dade intelectual, quem tem rudimentos mínimos de guerra como o sr. Labo­rinho ou o Presidente da República ou um simples camponês das zonas rurais de Angola que tenha acima de 35 anos de idade, por­tanto, que viveu a guerra civil saberia que o carrega­dor normal de um AK-M leva 30 munições. E que a julgar pelo número fornecido pela alta patente do Interior, um dos chefes que executou o massacre sob as ordens do Presidente da República, 3 AK-M equi­valeriam a 90 munições no total. Se fosse carrega­dor de 40 munições (que também existe) seriam 120 munições. Se fosse de 75 (que existem em AK-M su­per) seriam 225 munições. O disparo em rajada geral­mente em 3 a 5 minutos o carregador de 75 munições estaria vazio e não em 4 ho­ras. Sendo remuniciado, nos minutos depois de es­vaziados, os tais atiradores religiosos seriam apanha­dos de imediato, porque lá não há nem trincheira, nem bunker, seriam dis­paros frente-a-frente. Para travar duas companhias da Polícia anti-terror e um dispositivo das Forças Ar­madas Angolanas trans­portados em 5 camiões “Kamazes” das FAA, dos quais 2 vieram do Huam­bo e 3 do Ngove, segundo as fontes militares contac­tadas, carregados de ar­mamentos e de comandos altamente treinados seria totalmente absurdo, ou no mínimo estranho, travar combate durante mais de 3 horas contra 3 AK-M.

A desproporcionalidade da força é mesmo isto em que consiste: a tropa e po­lícia levaram helicópteros, canhões, morteiros, me­tralhadoras, espingardas automáticas e o povo só tinha catanas e enxadas. É muito difícil com enxadas, pá e ancinho enfrentar pelo menos a ZU-4 ou esquivar a explosão do obus de mor­teiro 82mm, ou ainda, en­frentar com moca e pau o “lança-granada Rouquete Propelente”, mais conhe­cido como RPG-7.

Na po­sição alta em que a tropa estava e o povo em milha­res se espalharam a correr desnorteada escalando a montanha com bebés às costas, outros cocheando, alguns se arrastando e a tropa lançando contra eles granadas manuais dada a proximidade e lançando obuses de morteiro 60 mm e rasgando as crianças e mulheres com PKM des­carregando as correntes, e municiando gastando milhares de balas, numa estimativa de 5 a 10 tiros, contra uma criança (se­gundo relatos dos tropas) isto é uma desproporcio­nalidade desumana como foi desumana a ordem superiormente dada, pelo Presidente da República, para “desmantelar a igreja”, “cercar a montanha e agir”.

F8 – Tem noção e existem registo fidedignos de quantas pessoas terão morrido até ao momento?

AK – Até ao momento, o nosso registo praticamen­te está acima de 1500 pes­soas com nomes e apelidos e localidades de origem. Estamos a compilar as lis­tas de pessoas mortas e tecnicamente dissemos que são pessoas desaparecidas porque só se deve considerar morto quando se emite certidão de óbi­to. Pese o Governo não assumir o massacre, nós denunciaremos mesmo como desaparecidos e não mortos embora conhecen­do alguns dos lugares onde foram enterrados em valas comuns.

F8 – Podemos estar na presença de genocídio ou não?

AK – Absoluta­mente! O que aconteceu nos dias 16, 17, 18, 19, 20 …até a data presente chama­-se genocidio. Porquê? Porque é designado, na própria Constituição, art.º 61.º como crime hediondo, logo é genocídio sempre que o Estado, ou não, esco­lhe um grupo religioso ou étnico ou geográfico e rea­liza um massacre massivo, a fim de fazer extinguir tal grupo.

F8 – Na sua opinião exis­tem mandantes?

AK – Pelo facto de o massa­cre ter sido dirigido supe­riormente pelo Presidente da República (vide seu discurso do dia 20 de Abril de 2015) pode configurar a tipificação de um plano do Estado visando massacrar e exterminar um grupo populacional devido a sua crença religiosa, igual­mente o reconhecimento por parte do governador o Huambo de ter sido ele a mandar cercar a monta­nha, encontram no Direito Penal Internacional, alojamento, como mandantes de um crime de Genocídio. Ademais, junta-se o facto de não se prestar atendi­mento médico aos feridos, tendo morrido muitos, por denegação de assistência médica, medicamentosa, conforme os relatos. A Polícia e FAA são também acusadas de terem saquea­do os bens da população; queimado cidadãos den­tro das tendas, e os presos nunca chegaram às esqua­dras, continuando desa­parecidos, até hoje após o massacre, enquadrando-se essa prática no crime con­tra a humanidade.

F8 – Mas as autoridades dizem nunca terem tido conhecimento das práti­cas dessa congregação religiosa.

AK – Mentira! O gover­nador Kundi Payhama ia frequentemente visitar o acampamento religioso, e passava uma mensa­gem de paz, quando estava a preparar a guerra, com a infiltração de agentes da Polícia Secreta e dos Servi­ços de Inteligência Militar, numa clara demonstração de má fé, premeditação e preparação do massacre doloso.

Pelo facto de ter sido pro­vado que o povo religioso massacrado não possuía nem armas de fogo, nem bunkers, nem trincheiras, em nada representava pe­rigo contra o Estado e a “Paz” conclui-se que ata­cou-se uma população civil indefesa que nos seus ins­trumentos rudimentares domésticos como enxadas, catanas, machados com que praticavam a lavoura de que viviam, se defen­deram do Governo que lhes atacou e em legítima defesa abateram 9 agentes da polícia, que se lamenta a sua morte.

F8 – Como será o desfe­cho final?

AK – Ainda não posso me antecipar sobre o desfe­cho. O Estado está a escon­der milhares de pessoas mortas. Isto é de todo um absurdo. Os mortos dei­xaram vizinhos, deixaram parentes, deixaram histó­ria. Os agentes da polícia que participaram no mas­sacre de genocídio, foram usados para matar os seus irmãos e esses mesmo agentes, estão a ajudar­-nos a indicar onde jazem os corpos de muitos cida­dãos inocentes, barbara­mente assassinados. Por isso penso, que o desfecho final, vai depender do grau de consciência do povo ante mais esta barbárie, os intelectuais da sociedade civil e todas as forças vivas do país.

O Governo está a manipular tudo através de propaganda na Televisão, Rádios e jornais públicos e com apoio de Igrejas ba­juladoras e irresponsáveis, usadas para desvirtuar e diabolizar Kalupeteka. Mas como “não se pode tapar o sol com a peneira a ver­dade já chegou e veremos como desenhar o fim. Mas não tenho ideia nem quero me antecipar. Pelo menos o genocidio é étnico e fo­ram, utilizados, também, polícias Ovimbundus para massacrar outros ovim­bundus.

F8 – Acha estar a ver poli­tização deste caso?

AK – Obviamente. O Reve­rendo Huambo, por exem­plo, recentemente, deu uma entrevista (tenho-a na integra), à “Rádio Co­mercial Despertar”, onde intitulou-se ser Presidente de todas as “Igrejas Ilegais”, mais de 1000 e destas ser­virem, de base eleitoral, do MPLA. Que recebeu orien­tações do Presidente da República, por intermédio de outros pastores, com documentos assinados por aquele, para mobilizar to­das as igrejas ilegais em seu redor que sirvam de base eleitoral ao MPLA.

A Igreja Adventista do 7º Dia-Luz do Mundo do José Ju­lino Kalupeteka, não aderia em nada ligado a política, logo, era considerada ile­gal. Kalupeteka entendeu bem “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” por isso não ade­riu ao Censo Populacional, não carece, segundo o n.º 4 da artigo 41.º da Constitui­ção e quanto as campanhas de vacinações é tudo uma falácia. O MPLA na pessoa do 1º Secretário do Parti­do no Huambo, o General Kundi Payhama e os secre­tários municipais da Caála, sobretudo o mais velho Somakessenje, todos tenta­ram dissuadir Kalupeteka a clarificar a sua veia política e “evangelizar” a favor do MPLA. Mas, negando-se a fazer, foi considerado “fa­nático” e ilegal.

F8 – Não terá sido esta ra­zão, que levou, no âmbito da legalidade, a Procura­doria a emitir um Manda­do de Captura?

AK – Não! Mesmo que o Mandado de Captura fosse instruído de forma legal, imparcial e discreta, como manda a lei, a Investigação Criminal e o próprio De­partamento de Buscas e Apreensões, sabem ou de­veriam saber, da proibição de se prender alguém em local de culto, no caso, Ka­lupeteka, enquanto líder, não deveria ser, mas o foi, na lógica: “não está conos­co é contra nós”!

F8 – Está a falar de mor­tes propositadas e de ca­riz político?

AK – Definitivamente o povo inocente foi morto por causa de intolerância política. Nenhum Gover­no, por mais ditadura que seja, mataria milhares de pessoas só porque a igreja deles é ilegal. Em Ango­la existem várias igrejas nessas condições, mas como são subservientes e lideradas pelo Reverendo Huambo, podem seguir em frente. Mas como Ka­lupeteka fora renitente à pressão político-partidária, premeditada e dolosamen­te foi, com derramamento de sangue, desmantelado, tal como orientou o Presi­dente da República.

F8 – Kalupeteka era um temor?

AK – Sim! Kalupeteka ar­rogava que a sua Igreja tinha, 1.060.000 (um mi­lhão e sessenta mil) fiéis até 2014 em todas as pro­víncias de Angola. Tendo uma capacidade de mobi­lizar milhares de pessoas, que abandonaram as suas províncias, para ir viver na periferia da Caála, com ten­dência de um crescimento dinâmico, era temido. Ele abominava a vida urbana, denunciava os vícios, com­batia a hipocrisia e pregava Deus, como o maior de todos os reis da terra. O mas­sacre do Monte Sumy é um Genocídio étnico-reli­gioso, mas politicamente é um massacre pré-eleitoral, para que José Julino Ka­lupeteka não mobilizasse milhares de pessoas que iriam se abster de votar ou então votar nos adversários políticos.

Kalupeteka jogava com as paixões das pessoas. Pregava, cantava e denunciava a depravação alarmante dos valores mo­rais na sociedade angolana. Abominava a corrupção, imagem de marca da ac­tual governação angolana. Denunciava a ganância e pregava a justiça. Os seus sermões eram uma espécie de “TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO”, logo, tornou-se numa grande ameaça ao poder. A sua palavra era forte e ameaça­dora nos ouvidos do Poder, como era o dinheiro do falecido Valentim Amões, que igualmente atordoava, antes das eleições de 2008.

Uma mera coincidência de realce, pois, por aquela parte geográfica de Ango­la, não pode emergir um líder com notoriedade e que se oponha claramente às orientações enraizadas, tais como dizia o Dr Antó­nio Agostinho Neto, num de seus comícios do Lu­bango em 1976 “…Temos muitas religiões em Ango­la: Católicas, Protestantes e Feiticeiros! Qualquer uma dessas religiões se tenta­rem lutar contra o MPLA, serão energicamente des­truídas”.

F8 – Ele era um pastor po­lítico ou ajudava as for­ças políticas?

AK – Nunca foi político e nunca fez trabalho a favor dos políticos. O Governo provincial do Huambo sempre aliciou Kalupe­teka e seus fiéis. Fez tudo para lhe aproximar das arenas políticas, oferecen­do salário ao Kalupeteka através da folha da Direc­ção Provincial da Cultura, segundo algumas fontes contactadas e face as ne­gações, recebera ameaças e promessas de felicidade, como carros e outras mor­domias, tudo pelo Governo do MPLA. Todas as igrejas e ONG’s no Huambo mar­cam audiências para falar com o governador, mas este não responde, mas Ka­lupeteka teve o privilégio de ser visitado por três (3) vezes por Kundi Pahiama, sem audiência e sem buro­cracia, com este a insistir, pessoalmente, nas várias propostas. Como conti­nuou a negar, resultou no massacre: “Ou é para mim ou é contra mim”.

F8 – Como está a família de Kalupeteka?

AK – A família do pastor Kalupeteka está dividida: ele está na cadeia com um dos filhos. A esposa estava em fuga até que o Gover­no a levou de volta para a sua casa, no Kilometro 25, onde está a residir, actual­mente, com três filhos (17 e 22 anos, meninas, e o ra­paz com 20 anos). Outros parentes morreram no Sumy e alguns estão ainda em parte incerta, provavel­mente, mortos ou escondi­dos das autoridades, face a contínua perseguição aos fiéis.

F8 – O que mais deixou marcas, com este que considera ser um genocídio do século XXI?

AK – Algumas fontes in­ternas da PGR, sob ano­nimato, confirmaram-nos estar, José Julino Kalupe­teka numa “lavandaria ce­rebral”, visando negar os números, que chegam a mais de um milhar de uma barbárie, protagonizada pelas tropas governamen­tais, que pretendem que este assuma, somente, 13 mortes e que os restantes peregrinos regressaram às suas zonas de origem.

F8 – Está a dizer que a sua primeira aparição pú­blica é já nesta senda de lavagem cerebral?

AK – Sim! O pastor Kalu­peteka está a ser forçado a reconfirmar que o acampa­mento estava semi-vazio e ninguém mais morreu senão os 13 que devem ser apresentados, como seus “guarda-costas” e os 9 agentes da polícia que deverá assumir, terem ido, em missão de Paz. Se ele aceitar, dentre as várias promessas de recompensa, consta a sua libertação por inocência ou insuficiência de provas, quanto a autoria moral, nas mortes dos ofi­ciais da Polícia em “Missão de Paz” e ainda na senda dos ganhos, José Julino Ka­lupeteka verá a sua Igreja legalizada, terrenos ofere­cidos com chapas e blocos para construir, novo templo, mas já no meio urbano. Dos dados apurados, até ao momento, revela que 95 à 100% dos crentes massa­crados são de etnia Ovim­bundu.

F8 – Como a ONU tomou conta deste aconteci­mento, tão rápido?

AK – Nós enquanto patrio­tas, devemos saber a cada momento o que se está a passar no país e quanto aos assassinatos em série devemos ser coerentes denunciando. Foi o que fizemos, no interesse dos Direitos Humanos, en­quanto observadores de acordo com os mecanis­mos da ONU, instamos o Conselho de Direitos Humanos e os seus meca­nismos especiais para que um inquérito idóneo tives­se lugar em Angola a fim de se esclarecer o sucedido no Monte Sumy.

F8 – O Governo considera ter sido má-fé as infor­mações e a falência das suas provas.

AK – Agimos com sentido de responsabilidade e boa­-fé. O nosso pedido não se baseou na má-fé ou na luta contra o governo de Ango­la, como alguns incautos dirigentes querem fazer passar, através de discur­sos forçados e precipita­dos. O Ministro da (in) Jus­tiça, recorde-se, encabeçou a delegação angolana em Genebra entre Outubro/Novembro de 2014, como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e recebeu quase 221 recomendações sobre vio­lações de direitos humanos em Angola.

Ora, foi nessa qualidade e dos princípios da ONU, que os parceiros solicitaram um inquérito na base de instrumentos internacionais de que An­gola é parte. Estranha-se pois as suas declarações de qualificar o pedido como “ingerência nos assuntos internos”; “Violação da soberania nacional”, etc, numa flagrante, ignorância jurídica de palmatória.

F8 – Explique-se melhor.

AK – Todos os tratados e acordos internacionais ratificados, por Angola, têm validade jurídica in­ternamente e a partir daí a ONU em certas matérias usa o poder discricionário de investigar, no interes­se dos Direitos Humanos, os Estados–Membros. A ONU tem provas porque os angolanos activistas de direitos humanos recolhe­ram provas, levaram-nas aos mecanismos interna­cionais, então a ONU sabe que houve Genocídio. Por isso, aguardamos pelas evo­luções possíveis, confiando na solidariedade internacio­nal como tem sido nas lutas contra as ditaduras.

Fonte: http://paginaglobal.blogspot.pt/2015/05/angola-houve-genocidio-no-monte-sumi.html

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